A “Flotilha da Liberdade” (*) dirige-se resolutamente para Gaza, transportando 700 pessoas e uma carga pesada: dez mil toneladas de material urgente. É esperada em Gaza; está no seu bom direito. Age humanamente, pacificamente. Não é menos ameaçada pela marinha israelita.
Um navio turco da “Flotilha da Liberdade”
O desafio lançado pela flotilha – com o apoio maciço de pessoas que se recusam a continuar silenciosas e paradas enquanto Israel encerra um milhão e meio de palestinianos naquilo que transformou num universo concentracionário – é intolerável para o Estado hebreu, que pôde até agora comportar-se acima das leis sem ser sancionado.
O exército israelita espera a flotilha em pé de guerra. O seu Estado-maior anunciou a inspecção dos navios e a detenção dos passageiros que recusem o seu diktat: exerce chantagem e exige que a flotilha vá descarregar a sua carga, não a Gaza, como é seu direito legítimo, mas ao porto israelita de Ashdod.
Esta flotilha internacional – organizada por iniciativa de numerosas ONG e financiada por grandes doadores – encarna a consciência e a coragem de pessoas reunidas por um objectivo nobre que se mostram capazes de contrariar a política criminosa de Israel, capazes de melhor de fazer que todas as grandes potências, que todas as ONG financiadas por estas mesmas potências, que todas as agências da ONU às ordens destas potências.
E no entanto: nada ou quase nada se diz na grande imprensa ocidental. Nada de nada depois dos dias em que estas embarcações convergem para Gaza e das semanas em que Israel ameaça. Trata-se para os nossos meios de comunicação de dissimular para o seu público, tanto quanto possível, o que uma tal expedição traz à luz. Nomeadamente, o facto de um milhão e meio de civis serem sujeitos por Israel desde há quatro anos a um bloqueio inumano com a cumplicidade dos nossos governos supostamente defensores dos direitos humanos [1].
Só os meios de comunicação árabes e muçulmanos – bem como os novos meios de comunicação em geral – deram a este comboio humanitário excepcional a cobertura que merecia.
Este comboio marítimo é, pela sua importância e amplitude, nunca visto. É uma empresa gigantesca. É um gesto de generosidade e de humanidade realizado graças ao esforço de milhares de pessoas anónimas.
Mas a vida de uma criança árabe, de uma população muçulmana que votou em prol da resistência contra o ocupante israelita não vale nada para os nossos jornalistas islamófobos, dominados pela propaganda israelita.
Não se toca em Israel! É de bom tom na nossa imprensa dita “livre” criticar o Irão. Porque o Irão é o principal alvo de Israel desde que o Iraque foi destruído. No Irão, não há 10.000 prisioneiros políticos. Em terra ocupada por Israel, sim. No Irão, não há um campo de concentração que encerra um milhão e meio de pessoas. Em terra ocupada por Israel, sim. No Irão, não há drones e F15 que sobrevoam o céu noite e dia e podem largar bombas a qualquer instante sobre famílias. Na Gaza sob ocupação colonial israelita, sim…
Uma Flotilha da Liberdade compreendendo nove navios, fretados por grupos organizados que consideram intolerável o bloqueio terrestre, marítimo e aéreo imposto por Israel, navega desde há vários dias sem que nenhuma imagem, nenhum relato, sejam difundidos ao seu público pela imprensa ocidental dita “livre”. Os novos meios de comunicação, por sua parte, fizeram melhor.
Nada, os meios de comunicação tradicionais ignoraram até agora esta flotilha de navios tanto quanto puderam. O muito pró-israelita telejornal da televisão suíça de língua francesa – um serviço público –também evitou mostrar, até agora, imagens deste comboio que coloca Israel em embaraços e mancha a sua imagem. Trata-se para os nossos jornalistas conformistas de não chamar a atenção das pessoas para uma realidade pouco gloriosa: o encerramento inumano pelo ocupante israelita de um milhão e meio de palestinianos num campo de concentração de uma outra era.
Os participantes nesta flotilha e aqueles que os apoiam são, por sua parte, postos avançados de uma humanidade que as nossas autoridades, as nossas democracias, os nossos jornalistas sem ética, espezinham sem vergonha.
Os agentes de propaganda israelitas têm já toda uma bateria de declarações prontas a serem destiladas aquando da sua intervenção musculada em mar para dizer que Gaza não tem falta de nada, e que a flotilha traz uma caução aos “terroristas” do Hamas – na verdade, as autoridades eleitas por um povo que é adulto.
Podemos apenas mostrar a nossa cólera às nossas autoridades que nada fizeram para tirar Gaza desta situação iníqua e que continuam silenciosas face às ameaças de Israel; e recordar aos jornalistas que o seu silêncio, quando os actos incriminam Israel, torna-os cúmplices da sua contínua barbárie.
Qualquer pessoa que tenha um pouco de humanidade deve reagir; deve enviar mensagens, apelos, aos chefes de redacção dos meios de comunicação públicos; deve protestar contra o seu silêncio cúmplice.
Silvia Cattori
(*) Ver: http://savegaza.eu/eng/
http://www.ihh.org.tr/anasayfa/fr/
www.flotilla2010.net
Tradução: Informação Alternativa (31.05.2010):
http://infoalternativa.org/spip.php?article1729
Versão francesa (28.05.2010):
http://www.silviacattori.net/article1233.html
[1] O bloqueio de Israel – para o qual o Egipto, que controla 14 quilómetros de fronteira comum com Gaza, contribui – proíbe desde 2006 a importação e a exportação de materiais e de alimentos, bem como a saída e a entrada das pessoas. Tem por objectivo perverso fazer capitular através das privações a população de Gaza – que conta 850.000 crianças – e conseguir separá-la do movimento Hamas.